segunda-feira, 3 de novembro de 2008

APRENDENDO A CONHECER

APRENDENDO A CONHECER



Caminhamos para a sociedade do conhecimento, que é tão complexo, frágil e instável. Nunca tivemos tanta informação disponível e, ao mesmo tempo, nunca foi tão difícil conhecer. O que selecionar? O que vale a pena entre tantas opções. O que é importante e o que é descartável? O que é um modismo passageiro e o que nos faz avançar? O que estudamos hoje será útil amanhã? O que estou aprendendo profissionalmente poderei aplicá-lo tal como me ensinam? Num mundo que evolui tão rapidamente, o que posso aproveitar do passado.

Quando somos crianças, estamos abertos para o mundo, queremos aprender tudo com todos. Temos consciência de que não sabemos nada e pensamos que os outros sabem tudo. Quando jovens, começamos a buscar nossas próprias respostas e questionamos o saber dos adultos, que nos parecem muito conservadores, perdidos. E encontramos nossas próprias respostas. Pensamos que sabemos tudo e que os outros não sabem nada. Já adultos, percebemos que a realidade é muito mais complexa do que nossas explicações e que as coisas mudam, assim como as teorias. Relativizamos tudo. Quanto mais avançamos em idade, sabemos que nada sabemos.

Acreditamos que somos objetivos, percebemos com isenção e julgamos sem paixão . Mas as pesquisas comprovam que procuramos ativa e seletivamente (embora de maneira inconsciente) dados que confirmem nossas teorias, hipóteses ou crenças. Hoje, com o avanço da ressonância magnética, comprovou-se que, quando as pessoas dão respostas objetivas, acionam áreas do cérebro ligadas à afetividade. O psicanalista Contardo Calligaris explica com clareza esse fenômeno:

O “viés de confirmação” é um funcionamento psíquico freqüente (e catastrófico) no diagnóstico médico, no discurso político e nas brigas de casais. Ele consiste no seguinte: o sujeito procura ativa e seletivamente (embora de maneira inconsciente) dados que confirmem sua hipótese ou o seu preconceito iniciais. O prazer de ter razão prevalece sobre argumentos e informações, produzindo cegueiras. Nosso raciocínio é influenciado por afetos implícitos que nos levam a “minimizar estados afetivos negativos e potencializar estados afetivos positivos”. A gente pensa e escolhe não no interesse da verdade, mas para sentir-se bem.

Cada um de nós tem uma forma peculiar de ver o mundo, de lidar com as novidades e de reagir a situações complicadas. Filtramos o mundo a partir de nossas lentes, experiências, (personalidade,) formas de perceber, sentir e avaliar a nós mesmos e aos outros. Diante de situações idênticas, uns sentem-se calmos e outros se apavoram; os fracassos frustram uns e estimulam outros; enfrentar novos desafios assusta uns e motiva outros. Os acontecimentos não são o mais importante, mas sim a forma como os encaramos, os filtros que colocamos, o significado que lhes atribuímos .

Com os mesmos fatos, podemos construir visões diferentes e interpretá-los de formas opostas. Uns se consideram fracassados, porque tiveram que separar-se ou perderam o emprego. Outros, em circunstâncias semelhantes, consideram-se realizados, porque aprenderam a superar os obstáculos. Os fatos não são o mais importante, mas sim como os interpretamos, como os integramos e a síntese que fazemos.

Em alguns, predomina o filtro pessimista: só vêem problemas, dificuldades. Em outros, o filtro otimista: só vêem o que lhes interessa. O filtro pode ser aperfeiçoado para que não nos leve a distorcer excessivamente os fatos. Se todos me vêem de uma forma e eu não concordo, deve haver alguma deformação no meu filtro. Preciso de outros para aperfeiçoar o meu filtro; confrontar várias pessoas com visões diferentes para aprimorar a minha. O que acontece é que cada um de nós escolhe algumas pessoas como referência interpretativa do mesmo tipo, com crenças e referenciais semelhantes.

Cada um tem a sua interpretação dos fatos. Um militar que tortura diz que apenas cumpria ordens e estava em guerra. O torturado sente-se humilhado e impotente. Cada um tem seus motivos para suas percepções diferentes. Para as pessoas, o peso das suas experiências e vivências orienta sua interpretação diferenciada sobre fatos semelhantes.

Aprendemos com os grupos que nos interessam, presencial e virtualmente. Formamos comunidades de interesses que se apóiam a distância e que quebram a hegemonia dos controles e mídias tradicionais. Pierre Lévy defende que uma comunidade virtual, convenientemente organizada, representa uma importante riqueza no conhecimento distribuído e na capacidade de ação colaborativa.

O conhecimento sempre ficou confinado a territórios dominados por especialistas e por espaços reconhecidos oficialmente (como, por exemplo, as universidades). E os meios de comunicação também eram controlados por grupos culturais e econômicos elitistas. Com a internet e as redes digitais, amplia-se, de forma inimaginável até há pouco, o potencial de democratização do acesso e da produção do conhecimento. Qualquer pessoa pode ser produtora e consumidora simultaneamente e se multiplicam os grupos virtuais que aprendem juntos, se comunicam entre si e divulgam permanentemente suas produções ampliando o que Pierre Lévy chama de inteligência coletiva.

É fácil perceber por que as redes digitais são hoje um fator chave para a compreensão da inteligência coletiva e de sua evolução. Testemunhos como os de Howard Rheingold, por exemplo, vêm comprovando que a sinergia entre as pessoas via web, dependendo do projeto em que estejam envolvidas, pode ser multiplicada com enorme sucesso. As diversas formas de comunidades virtuais, a estratégia P2P, as comunidades móveis, a explosão dos blogs e wikis, a recente febre do orkut são prova de que o ciberespaço constitui um fator crucial no incremento do capital social e cultural disponíveis.

Ao mesmo tempo, muitas pessoas se reúnem em grupos de comunicação superficial, banal e preconceituosa. Aumenta, por um lado, a inteligência coletiva; por outro, a ignorância coletiva, os preconceitos e as múltiplas formas de banalização da troca.

Nos ambientes digitais, há uma ampliação virtual de todas as informações e soluções individuais, grupais e sociais, em todos os campos. Quem procura informação a encontra mais facilmente do que antes. Muitos procuram só fofocas, diversão. Quem quer encontra no ciberespaço como aprender, comunicar-se ou fazer divulgação. A sociedade toda aprende de forma mais acelerada. As comunidades virtuais e as listas de discussão são espaços ricos de aprendizagem, de troca e de marketing .

O conhecimento se dá no processo rico de interação externo e interno. Pela comunicação aberta e confiante, desenvolvemos contínuos e inesgotáveis processos de aprofundamento dos níveis de conhecimento pessoal, comunitário e social.

Na descoberta dos caminhos para viver, passamos por etapas de deslumbramento, desânimo, escuridão, realização, paz e inquietação. Em cada etapa, o horizonte se modifica: ora vemos o arco-íris na nossa frente, ora montanhas intransponíveis. Caminhar pela vida nos ensina também a relativizar quase tudo: teorias, promessas, perspectivas, crenças. Vamos mudando: o que nos servia numa etapa não nos ajuda mais. Idéias que pareciam superadas, de repente voltam a fazer sentido. Essa é uma das grandes lições da vida: sabemos que sabemos pouco e esse pouco não é o principal .

É mais o que se nos escapa do que conhecemos. O tempo nos ensina a humildade. No começo, pensamos ter mil explicações para tudo e descobrimos as razões dos nossos pensamentos e ações. Aos poucos, constatamos a complexidade de variáveis que se escondem em cada pessoa, em cada interação, em cada decisão. Descobrimos que há um universo invisível e atuante junto com o visível, mas até onde se estende o invisível é um mistério. Quem sabe explicar o universo? Quem sabe dar conta da complexa interação de energias que circulam dentro e em torno de nós? Quem tem certeza das explicações fundamentais para a nossa vida?. O essencial se nos escapa . Conhecemos muito da superfície das coisas e pouco da profundidade, do que realmente fundamenta tudo.

A integração com pessoas tão diferentes vai-nos mostrando mil formas de perceber, sentir, pensar, agir e interagir. Encontramos pessoas que parecem captar dimensões mais ricas da realidade por meios diferentes dos convencionais. Deixando de lado os que trapaceiam, vemos pessoas que são sensíveis, honestas e têm certos poderes de percepção ou de cura, fora dos padrões convencionais. Poderes estes que, por um lado, lhes conferem superioridade em determinados momentos; por outro, lhes trazem vários problemas pessoais, como dificuldade de gerenciamento emocional, propensão a crises emocionais. Há mais saberes que os reconhecidos, assim como há uma amálgama de explicações irreais, míticas, que dificultam a compreensão da realidade.

Estamos numa etapa de ampliação do conhecimento do universo em todas as dimensões: científica, psicológica e espiritual. A comunicação em rede, o acesso fácil à informação está contribuindo para uma aceleração da aprendizagem coletiva. Todos aprendemos com todos, não só nos espaços formais, mas também nos físicos e virtuais .

Tudo indica que a fome de comunicação e de troca não cessa de crescer, e isso é particularmente verdadeiro entre as novas gerações. A evolução cultural e social pode ser vista como um processo de aprendizagem no decorrer do qual a humanidade intensifica sua inteligência coletiva. Nós nos tornaremos cada vez mais criativos coletivamente e utilizaremos essa potência criativa para “projetar” formas de inteligência coletiva cada vez mais eficazes e criativas e, ao mesmo tempo, mais “responsáveis” e pacíficas com relação à humanidade como um todo e a todas as formas de vida sobre a Terra .





http://www.eca.usp.br/prof/moran/conhecer.htm


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